sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

XVI



Detesto a nostalgia dos dias de chuva,
dezembros que se apagam
em oceanos de nuvens pálidas
e, meu destino dividido
sobre a mesa da copa,
um imenso puzzle de milhares de peças,
um romance com as páginas soltas
e as letras a escorrerem.
Não fui à guerra pra viver chacinas,
não sofri violências maiores,
privações e penúrias,
apenas ouço de entre as grades
relatos e mais relatos
e calo na garganta o grito
sufocado e tenso contra tudo.
Contra o sistema democrático e livre
que nos obriga a viver com medo
a conviver com a sobra,
a sobreviver do resto, do esgoto da civilização.
Não apreendi da razão grega,
da metafísica inútil, da idéia plena,
não fiz escola com a Ilíada,
nem bebi em Camões
as frases célebres da língua por se fazer.
Uso uma língua que o mundo
nem quer conhecer;
uso-a para falar, escrever, gritar
e pouco adianta. Pouco...
Não tomarei café com o Minotauro
-não nos entendemos- à exceção
de sermos, ambos, criaturas estranhas,
sozinhos, incompreensíveis,
embora ele, ainda apareça
em películas produzidas para adolescentes.
Minha terra, se tem palmeiras, não as vejo,
nem vejo o mar. O Tejo ficou distante,
não há saudade, só a sensação
de uma morte lenta a rondar,
e não a morte gloriosa de herói
com procissões de centenas,
apenas o frio, o escuro
o vazio, o silêncio...


Parafraseando de memória o Lucas Ed, você que leu, percebeu que o poema é meu, não pretendia copiar, não é?

Esse poema faz parte de um livro que está, já, escrito, digitado, revisado e aguardando. O quê? Não sei ainda. 

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Ensaios

Foi o próprio Ítalo Calvino que em 1961, em carta, escreveu que seus ensaios esparsos deveriam esperar pela morte ou pela velhice. Quando os começou a juntar em 1980, promoveu a todos os leitores uma gama de ensaios bastante livres, mas de uma perspicácia crítica que é encontrada em poucos teóricos. No Brasil Una pietra sopra, recebeu o nome de um dos ensaios, que não por acaso encabeça a coletânea em sua excelente tradução tupiniquim, feita por Nilson Moulin: Por que ler os clássicos. 

Calvino nos dá, de início, uma diversidade de definições daquilo que viria a ser um clássico. Clássicos são "aqueles livros dos quais se diz: estou relendo...", ou "aqueles que constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado", ou "aqueles que se configuram como o equivalente a um universo" ou ainda "o seu clássico é aquele que não pode ser-lhe indiferente". Essas propostas estão colocadas entre várias outras, dando-nos a idéia de como é difícil, dentro da história da cultura e da crítica definir com exatidão algo que não pode nunca ser exato.

O cânone é, desde sempre, controverso. Se por um lado a visão do 'belo' e do 'bem' platônicos, serviu para manter, durante séculos a hegemonia de um clássico universal que "em qualquer presente diz alguma coisa, como se o dissesse unicamente a si mesmo", essa "ilusão imanentista"  de Gadamer. Porém, Kant havia, já, libertado, há tempos, o juízo de valor estético dessa visão: "o julgamento do gosto,[...] não é um julgamento do conhecimento, conseqüentemente não é um julgamento lógico, mas estético - razão pela qual entendemos que seu princípio não pode ser senão subjetivo." E aqui vamos...

Entre defensores e detratores, teríamos de vasculhar milhares de páginas escritas para que pudéssemos, enfim, ter conhecimento de excelentes argumentos contra e a favor, e acabar por decidirmo-nos subjetivamente... Ou podemos apenas nos colocar na biblioteca, (que os outros chamam o Universo), a fabricar nossos próprios clássicos.

Voltando a Calvino, é bem o que ele faz em seu livro: escreve sobre seus  clássicos. Durante os próximos posts tentarei escrever também sobre os meus clássicos. Pequenos ensaios que falem, não de livros ou de autores, mas, textos que falem de mim, a respeito de livros ou de autores, como bem o diria Anatole France.

Agora, eu vou, aos poucos escrevendo o primeiro dos ensaios...

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

De volta ao começo...

E, lá se vai...Um blog, um local para colocar idéias na rede (algo do qual ela já está saturada).Por aqui passeará a literatura, a arte, a música e, principalmente a opinião (nem sempre respaldada pelo teórico de alguma das áreas).O próprio título é já uma corruptela da fórmula usada na tradução do conto Bartleby, the Scrivener, de Herman Melville, para o português. Uma corruptela por que foi assim traduzida num texto de Gilles Deleuze que se chama Bartleby , ou a fórmula.Mas minha mente, inda não tão exausta de mentar, vai indo à galope por outras tantas distâncias e busca sua repercussão noutros lugares. Georges Perec 'reescreve', como ele assim diz em carta posterior, Bartleby num livro chamado Un Homme qui Dort de 1967, cuja tradução para o português Um homem que dorme, da década de oitenta, encontra-se esgotada.Mas o que faz este homem? Dorme? Nega?Minha pergunta é: o que faz o homem?Dorme?Nega?

Prefere?