sábado, 29 de novembro de 2014

II (Eu me lembro)

Eu me lembro de chorar escondido, aos oito ou nove anos, por uma declaração mal interpretada!Lembro ainda de querer ficar escondido o resto de minha vida, por causa da vergonha! (Às vezes parece que ainda estou lá, naquele canto, sozinho.) 

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Pessoa I

Nenhum lugar pra chamar de lar,
um vazio, um branco, um zero cortado ao meio!
Três vezes ninguém, noves fora…
Derrama, balde repleto do meu coração,
derrama sem se dar conta do abismo,
derrama sua ternura, sua surpresa, sua ilusão,
sem se dar conta de nada…

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Impressão I

Vestido vermelho sob a chuva cinza
Lábio vermelho sobre o uniforme cáqui
Sombrinha vermelha frente a arranha-céus negros
Crepúsculo vermelho em meio à fumaça
Sangue vermelho sobre o asfalto
Olhar verde, fresco, demorado! 

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Cena cotidiana I

JOSUÉ (Deitado num degrau de uma escadaria, a cabeça apoiada no degrau debaixo, num ângulo estranho de corpo. Veste roupas sujas, a barba grande, um buraco na camiseta) - Bom dia, bela dama parada no ponto de ônibus! O que fazes aqui?

AMÉLIA (Num vestidinho florido, no meio das coxas) - Ora, espero ônibus! O quê que cê quer?

JOSUÉ (Na mesma posição) - Nada, apenas ser teu companheiro de todas as horas. Amar-te e doar-me totalmente a ti. Massagear teus pés e teus mamilos no fim de um dia difícil. Beijar-te no meio da madrugada chuvosa e levar-te para o terreiro, para te amar sob a tempestade. Acompanhar-te em tuas viagens e levar-te nas minhas. Pentear-te os cabelos, confortar-te com maçãs e sustentar-te com passas até que desfaleças de amor!

AMÉLIA (Virando o rosto em outra direção, estendendo o braço e saindo) - Detesto passa, fode o salpicão!

NARRADOR - E nunca mais se viram!

(Fecham-se as cortinas; ouve-se um barulho de ônibus, sons de buzina e passos apressados; ruídos extras como moedas caindo, zíper de bolsa se abrindo, motorista xingando um ciclista, buzinaço de motoqueiros, retrovisores se quebrando ou vidro se estilhaçando ficam a cargo da direção/montagem)

terça-feira, 18 de novembro de 2014

I (Eu me lembro)

Me lembro de vir a Belo Horizonte para o enterro de um tio, antes da mudança definitiva, alguns anos depois - acho que em 85! Viera com minha mãe (de quem não consigo reter alguma recordação imagética que não seja muito recente, e algumas de pouco mais de um ano atrás, que adoraria esquecer). Não existe uma Belo Horizonte nesta lembrança, só uma grande viagem de ônibus, um rio largo (ou a expectativa de passar sobre um), um cemitério e pessoas, todas sem voz ou sem rosto, fantasmas que já vão se perdendo.

Eu me lembro

Seguindo uma trilha que se inicia com Harry Mathews e seu 'I remember', e passa por Georges Perec com 'Je me souviens' que não é tradução e sim uma apropriação da mesma ideia, vou garimpar algumas lembranças também. O formato é de recordações esparsas, sem continuidade espaço temporal, apenas pequenos escritos que apontam fatos, reais ou fictícios (se é que podemos mesmo fazer essa distinção ou que ela exista de fato), que não têm nenhuma intenção de montar uma história ou um diário. Nem nenhuma outra intenção, creio, pois não vejo pequenos mementos pouco significantes gerando torrentes sentimentais ou quaisquer outras emoções! Trilhemos, pois, o caminho que se abre...