quarta-feira, 30 de setembro de 2015

X (Eu me lembro)

Eu me lembro da primeira vez que fui ao cinema, mas não lembro o ano. Estava na sexta série e um professor de história nos aconselhou a assistir Dança com Lobos. Meu irmão mais velho me levou a um desses grandes cinemas que tinha em Belo Horizonte (acho que foi o Paladium). Saí de lá fascinado, sobretudo pelo filme, que é, ainda, um dos meus preferidos... 

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Cena Cotidiana X

Ela (sentada de samba canção e soutien no sofá em frente à televisão) - Amor, traz uma cerveja!
Ele (gritando de algum lugar ao fundo) - Eu tô lavando vasilha e preparando o jantar, amorzinho... Vem aqui e pega!
Ela (levantando e pisando duro até uma porta, falando baixo) - Preguiçoso. (alto) O que tem pro jantar querido?
Ele - Tô experimentando uma receita vegetariana que vi na televisão hoje!
Ela (aumentando o tom de voz) - O quê? Vegetariana? Desde quando a gente não come carne nessa casa? Eu trabalho o dia inteiro pra por dinheiro nessa casa pra comer mato? Se eu quisesse mesmo comer mato, ia pra calçada e pastava o que está crescendo lá. 
Ele (fazendo voz mansa, como se explicasse algo para uma criança) - Amor, não é por que é vegetariano que é mato, você vai ver... Parece se muito gostoso...
Ela - Gostoso, sei. Faz um bife pra mim, pelo menos.
Ele (acordando na cama, assustado e gritando) - Mãe... Tive o mesmo pesadelo de novo!
Ela (entrando pela porta do quarto) - Seu pesadelo só está começando!

sábado, 29 de agosto de 2015

Pessoa VII

Como quem perde uma carteira vazia
perdi minha coragem,
meu rumo, 
minhas metas...
Agora, no vão de meu cigarro,
vejo a fumaça que se evola,
e sigo com o olhar
distante,
o tempo que corre...

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

IX (Eu me lembro)

Eu me lembro do medo de sair por um lado da casa de um amigo e dar de cara com o cachorro solto. A exata sensação ainda mexe com meu estômago, ainda me deixa com um gosto ruim na boca. 

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Cena Cotidiana IX

(Uma rua qualquer, à noite com a luz do poste apagada ou de dia, tanto faz!)

Marginal - Passa a porra da grana toda, playboy... Rápido, caralho. Vai, vai merda, que eu não tenho o dia todo não. Anda porra, senão te sento o dedo.
Cidadão - Calma, calma. Já tô pegando aqui...
Marginal - Calma é o caralho, porra. Tá querendo levar tiro é? Me dá a carteira toda, anda. 
Cidadão - Posso tirar os documentos aqui?
Marginal - Documento é a buceta da sua mãe, seu fela da puta. Cê vai achar essa porra lá na favela amanhã. (Pegando a carteira e chutando o playboy.) Vai embora e não olha pra trás...
Cidadão - (Saindo) ...
Marginal - Peraí, peraí! Que porra é essa aqui?
Cidadão - (Fazendo cara de assustado) O quê?
Marginal - Duzentos conto? Cê acha que eu vou fazer o quê com essa mixaria? Tomar no cu! Puta que pariu! Com essa cara de playboy filho da puta cê tinha a obrigação de ter pelo menos uns setecentos. Nem cartão tem aqui! Porra.
Cidadão - Uai, eu ganho salário mínimo e é meio de mês, cê queria o quê?
Marginal - (Dando um tapa na cara do playboy) Queria setecentos, porra! Cê tá pensando que eu não tenho obrigações não? Tenho conta pra pagar, água, luz, aluguel, pensão. Chegar em casa com duzentão só, a patroa ainda vai me arrumar uma confusão, aquela gritaria de sempre! E por quê? Por que o puto do playboy só tem cara de playboy, mas é um trouxa que trabalha o mês inteiro, oito horas por dia, pra ganhar salário mínimo. Tomar no seu cu! (Jogando a carteira na cara do cidadão.) Vaza daqui, pé rapado, fii d'uma égua. E vê se passa a andar com dinheiro direito. Agora vou ter que ficar aqui mais um tempão esperando aparecer um outro babaca! Tô cansado desse trampo! Puta que pariu!!!

(Fecham-se as cortinas, ouvem-se os sons de passos correndo. Um suspiro alto é dado pelo Marginal seguido da frase "Que merda de vida".)

domingo, 7 de junho de 2015

Cena Cotidiana VIII

A nuvem de perfume - Não sei o que você vai pensar de mim...
A farda - Não tem o que pensar, basta olhar para saber que você é a mulher com quem sempre sonhei!
A nuvem de perfume - Ai, que sempre gostei de uniforme! Mamãe dizia que estava no meu destino encontrar um que me servisse!
A farda - Se a senhorita quisesse me dar o prazer da próxima dança, talvez pudéssemos nos falar um pouco mais em particular!
A nuvem de perfume - Vai ser um prazer, mas estamos no meio da rua, às dez da manhã, o que as pessoas vão achar?
A farda - Que estamos ficando loucos talvez ! Ou que ser normal, num mundo onde tudo parece estar do avesso talvez seja apenas uma forma de se mostrar tão avesso quanto ele...
A nuvem de perfume - Então, tudo bem! Vem e envolve-me com seus braços fortes e guia meus passos nessa valsa!
A farda - Então é isso, vamos!

Narrador -  E o trânsito permaneceu parado durante os sete minutos e quinze segundos da valsa, enquanto um poeta desenhava o casal, sentado num banquinho no qual os velhos se juntavam para jogar dominó e a cidade parecia, enfim, compreender o amor!

sexta-feira, 24 de abril de 2015

Cena Cotidiana VII

Rita - Traga Lúcifer pra mim! Numa bandeja de prata! E sua luz, sua lanterna.
Arnaldo - Não é tão fácil assim. Luz é algo que demora uma vida pra ficar pronta! Mesmo com ele!
Rita - Mas e aquela história do bluesman de quem ele apenas tomara o violão por alguns segundos a ao devolvê-lo o homem tocava como ninguém?
Sérgio - Isso é só uma história... A luz gastou a vida do sujeito!
Rita - Que morreu jovem!
Arnaldo - Isso não quer dizer nada. Mozart já era foda com 9...
Rita - Mas e daí? Ele era protestante e todo mundo sabe que Lúcifer não curte esse povo! Sei lá! Tragam uvas negras pra esse Éden infernal. Como as de Parrásio! Tragam cortinas, como as Zêuxis!
Sérgio - A luz nunca chegaria em gregos por ele! Pra eles era a balança da deusa ou o fogo prometido!
Rita - Não faz sentido! A luz é necessária a todos! Quem traria, quem trará?
Arnaldo - Lóki? Eu?
Sérgio - Ops, meu andar!
Rita - Até o almoço!
Arnaldo - Acho que fico aqui também!
Rita (Gritando para o corredor onde Sérgio já virava o corredor) - Tragam ele pra mim, numa bandeja de prata! Na hora do almoço!

Narrador - E a porta se fechou!


terça-feira, 3 de março de 2015

Cena Cotidiana VI

Salomão (espantado) - A fidelidade brota da terra, e a retidão olha dos céus.
Davi (fazendo cara de quem não estava entendendo) - Traz mais uma, por favor, e uma porção de mandioquinha!
Abraão (olhando para ambos com um olhar de reprovação) - Tenho que ir! Minha esposa vai me matar, e com razão! A antepenúltima não era a saideira?
Davi (fazendo cara de inocente) - Essa é a saideira de verdade!
Salomão (continuando o monólogo) - e nossa terra produzirá bom fruto!
Abraão (rodando o dedo em volta da orelha) - Que viagem é essa do Lô?
Davi (olhando meio de lado) - Acho que tá muito bêbado!
Abraão (olhando o relógio e levantando) - Porra, meia noite e quarenta e cinco. Tenho que ir!
Salomão - A retidão vai adiante dele e prepara o caminho para os seus passos. 
Sara (que acabara de chegar no bar) - Retidão é o caralho! Quem vai na frente desse merda sou eu, segurando ele para não cair e guiando até a casa que ele parece que esqueceu. Vamos Abraão! Davi, sua esposa pediu pra te mandar pra casa, então, independente da hora que você chegar, diga que eu mandei e Lô...
Salomão - Mas acabamos de pedir uma porção de mandioca!!!
Sara - Ah... Foda-se!

Fecham-se as cortinas. Ouvem-se os sons dos sapatos de Sara batendo compassadamente, também o som de uma tulipa se enchendo de cerveja. O cheiro de mandioquinha frita pode ser espargido na platéia.

sábado, 28 de fevereiro de 2015

VIII (Eu me lembro)

Eu me lembro dos primeiros versos que cantei ainda criança: Nunca vi rastlo de tobla, nem tolo de lobisomem..., dessa maneira, com essa pronúncia, o que fazia a alegria de quem escutava.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Pessoa VI

Solidão é o que me move
e o que me mantém no lugar!
Tenho uma teoria para isso,
um princípio filosófico,
um branco…
Solidão é o que tenho
e é o que me faz falta!

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Pessoa V

Sozinho, busco o nada
no oriente ao oriente ao oriente,
como num quadro que repete a si mesmo,
como um espelho que reflete outro espelho,
como versos que repetem
a mesma, efêmera dúvida...

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

VII (Eu me lembro)

Me lembro da morte de Diadorim,
Da coragem de Diadorim,
Da travessia de barco,
Do asseio de Diadorim,
Da ira de Diadorim
De algumas falas de Diadorim!!!

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Cena Cotidiana V

Ana - Por isso é que não dá pra conversar com você, Isac.
Isac (Se fazendo de desentendido) - Por isso o quê?
Ana - Por que você é irônico o tempo todo!
Isac - Mas agora eu não fui!
Ana (Alterando levemente a voz) - Agora quando? Quando disse que eu tenho um ar de Gisele Bündchen ou quando riu cinicamente da minha reclamação de você ou quando perguntou por isso o quê, com essa voz?
Isac (Calmo) - Em todas!? E eu não ri cinicamente. Ri sinceramente.
Ana - Claaaaaro que foi! Aham!
Isac - Ok! Então eu sou irônico!
Ana (Alterando um pouco mais a voz) - Aí, 'tá sendo de novo! Eu desisto!
Isac - E vai pra casa da sua mãe?
Ana (Alterando a voz em um tom e levemente no volume) - Eu não vou a lugar nenhum que essa casa é minha!
Isac (Ironicamente) - Então, tem uma pia cheia de vasilha pra você lavar na sua casa!
Ana (Furiosa) - Porra Isac! Pra mim chega dessa merda de o amor ser paciente e benigno! Eu odeio-te com ódio completo!
Isac - De que livro cê tirou isso?
Ana (Com um leve sorriso de escárnio nos lábios, olhos encolerizados, e uma voz fria) - Ok. Boa noite, Isac. Vou dormir!
Isac - Espera aí ...
Narrador - O fato é que isso poderia continuar eternamente, como a cena tem que acabar, fica a cargo de que cada pessoa de nossa bondosa plateia imagine um final e se ponha a pensar sobre ele

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Pessoa IV

A memória reconstrói
com quase nada,
com entulhos,
uma ruína narrativa,
uma imagem,
uma última miragem 
colada à retina...

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Impressão V

O tempo,
essa hidra de cem cabeças
que insistimos em matar,
por vezes, lendo
essa mesma imagem
num conto de Machado!

domingo, 11 de janeiro de 2015

Cena Cotidiana IV

Ele (Sentado no balcão do bar, um espelho quebrado ao fundo, tudo à meia luz) - Tá sozinha moça?
Ela (Fazendo ar de desdém, jogando o cabelo de lado) - E assim pretendo continuar!
Ele (Alterando um pouco a voz e cambaleando de leve) - Pois desse jeito não vai ser difícil!
Ela (Impaciente) - Cê ainda tá aí? Que saco!
Ele (Vomitando no pé dela) - Bleeeeerg!
Ela (Fazendo cara de nojo, derrubando a própria bebida e virando a cabeça dele pro outro lado) - Credo! Cê tá bêbado! Vai embora!
Ele (Tossindo e engasgando) - Eu iria se tivesse pra onde! Vai você!
Ela (Corando) - Também não tenho pra onde ir!
Ele (Tomando coragem e outro gole de cachaça) - Quer me acompanhar então?
Ela (Com ar pensativo) - Mas pra onde?
Ele (Sonhador) - Temos o mundo todo pela frente, nada pra deixar pra trás.
Ela (Amedrontada) - Mas você conhece um caminho?
Ele (Com ar bastante seguro) - Podemos achar um, juntos!
Ela (Resoluta, após pensar por um minuto) - Eu preferiria ficar sozinha!
Ele (Sem palavras) - (...)
Ela - (...)
Narrador - E foram felizes para sempre!

sábado, 10 de janeiro de 2015

Impressão IV

Ar parado da tarde,
cachorro dorme na porta,
cachorro dorme na sala,
até o relógio resolveu parar,
e marca ainda treze horas.
Na rua sobe aquele vapor mirífico!
Um carro passaria devagar,
um homem passaria devagar,
um burro passaria devagar, 
e nuvens se evolariam ao longe,
também bastante devagar,
fosse esse um poema de Drummond!
Êta vida lenta, meu Deus!

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

VI (Eu me lembro)

Me recordo como se fosse hoje a primeira vez em que vi uma montagem do Desvio Para o Vermelho de Cildo Meireles, obra que me tocou profundamente. Falo em ver, mas ver não é exatamente o verbo para quando você penetra um espaço transformado em obra de arte, dialoga com seu conhecimento sobre ela e o que ela realmente é, se impregna dessa cor, se perde no emaranhado de imagens e de palavras, e se posta diante do tempo, de todos os tempos oferecidos à sua fruição, ao seu olfato, ao seu paladar, à sua indefinição de sentidos!

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

V (Eu me lembro)

Me lembro de uma grande amiga me comparando a uma ostra, de tão fechado e impenetrável, mesmo às pessoas próximas!